Um retrato do Aldir

Aldir 1Logo que vi essas imagens do escritório do Aldir Blanc, senti empatia: ele é um virginiano bagunceiro.

Virginiano, quando dá pra ser arrumadinho, ultrapassa todas as barreiras do suportável. Mas o Aldir é um virginiano bagunceiro, assim como o Paulo Lemisnky, que também vivia atolado de livros.

Olhando essas imagens do Aldir, me detive em tentar identificar os seus livros. Pois é, os virginianos são observadores. Insuportáveis são aqueles que observam e querem corrigir os defeitos… e arrumar. Eu não acredito muito em defeitos, observo e admiro, acho os detalhes comoventes. Acabei de escrever isso e parei, então me pus a observar o meu redor, tive vontade de acarinhar cada pequeno objeto que se espalha bagunçadíssimo sobre minha mesa: uma xícara de café que, molhada, deixou manchas rosadas em uns papéis, uma pilha de livros diversos, um amuleto que um preto velho me deu, uma porta-lápis que foi de minha mãe.

Pena que a resolução da fotografia não me permitiu identificar os títulos. E eu me esforcei bastante. Não sei se valeria a pena um trabalho poético de imaginar que livros seriam, acho que sim. Mas no momento não posso ir tão longe, me limito a fazer um exame topográfico da biblioteca, imaginando que ele localizasse os livros por uma espécie mais ou menos organizada – afinal ele é virginiano – de trabalho estratigráfico. Eu faço assim e é bom imaginar que ele faça da mesma forma. Como disse no início, meu esforço é uma aproximação afetiva por este personagem que tanto admiro.

A coleção de livros encadernados acima no canto esquerdo é talvez seja uma velha enciclopédia ou alguma coletânea de livro infantis. No alto à direta se repetem as pequenas coleções encadernadas: dicionários talvez, ou essas edições de jornaleiro… Coisas que se visitam apenas raramente. Os livros recentemente usados devem ser os que estão em cima da mesa, é claro. Os empilhados no chão devem ser livros já lidos, ou desprezados, postos ali por algum desleixo.

Não vou analisar cada pequena parte da fotografia, o que certamente seria possível, pois não sou um virginiano tão chato assim, pelo menos tento não ser. Vou para um ponto que me chamou muita atenção: a pequena mesa de bar, graciosamente marchetada nas laterais e talvez de pedra em cima. Ah sim, um sagitariano talvez nem percebesse a existência desta mesa por ela estar sufocada de livros. Mas logo percebi sua existência e, mais uma vez numa identificação afetiva, imaginei-a extraída de um bar. Uma mesa antiga que ficaria bem no bar da dona Maria, onde o Aldir bebia… e eu já fui algumas vezes imaginando como seria beber uma ali com ele.

Contudo, acho o ponto mais poético desta imagem a mal construída pilha de livros sobre a mesa de bar, prestes a desabar com aquele grande livro no topo, adornada por um tênue caderno aberto posto em cima, em desalinho. Uma construção que desafia a gravidade. Podemos imaginar que o poeta acabou de escrever algo naquelas folhas e pôs ali.  – E porque pôs ali? Queria mesmo é derrubar tudo? ou, quem sabe… alcançar um equilíbrio?

Por fim, se alguém me leu até aqui, imagino que se perguntou porque eu teria apagada da fotografia a imagem do poeta. Poderia dizer que foi para destacar o espaço em detrimento da pessoa. Mas é muito melhor responder a esta pergunta como se estivesse bebendo uma cerveja com o Aldir naquela mesa de bar: apaguei porque ele é feio!, o que evidentemente é um chiste, e não corresponde a um realidade, seria sim uma molecagem de mesa de bar. Com isso, imaginei o Aldir me lendo e sorrindo, o que foi o ponto mais alto de aproximação afetiva que atingi neste texto.

E porque escrever sobre uma bagunça de livros? A resposta é simples. Muitas pessoas mais competentes do que eu escreveram sobre este personagem tão importante com muito mais qualidade do que eu seria capaz. Queria apenas me aproximar afetivamente e lançar um abraço sideral para ele.

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